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Obstáculos educacionais afetam os portadores de necessidades especiais

O Correio inicia hoje uma série de reportagens que retratará o dia a dia dos portadores de necessidades especiais que frequentam escolas públicas no DF

Publicação: 09/01/2011 08:00 Atualização:


Lídia acompanha a filha na escola: presença constante entre os coleguinhas da menina
Andar. Falar. Ver. Ouvir. Para algumas pessoas, são ações automáticas. Para outras, caminhar, se expressar por meio de palavras ou conseguir enxergar representam o desejo de toda uma vida. Os que se veem privados dessas habilidades são obrigados a se adaptar a um mundo que não foi arquitetado para facilitar o dia a dia de quem possui alguma deficiência. No Brasil, a inclusão de portadores de necessidades especiais na sociedade esbarra em dois obstáculos principais: a falta de atenção do poder público e o preconceito.

O tempo em que todos terão os mesmos direitos ainda é um sonho, parece distante. Mas quando o assunto é educação, ao menos na capital do país, os números começam a indicar uma esperança. O Distrito Federal tem mais crianças e jovens com necessidades especiais matriculados em escolas inclusivas — nas quais os alunos com ou sem deficiência convivem na mesma sala de aula — do que em colégios exclusivamente adaptados.

Atualmente, são mais de 13 mil portadores de necessidades especiais estudando na rede pública. Desses, 7,8 mil participam de classes comuns. Os demais 5.229 pertencem às turmas especiais (em escolas inclusivas) e às escolas só especiais. Os dados fazem parte do Censo Educacional de 2010 promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), entidade vinculada ao Ministério da Educação. Os números mostram que uma primeira barreira, o acesso à educação igualitária, começa a ser vencida na capital do país.

Segundo informações do ministério, essa é uma tendência nacional. O estado de São Paulo, por exemplo, tem mais de 128 mil alunos matriculados em turmas inclusivas, representando 68,9% do contingente. Estabelecer um ranking nacional, entretanto, é difícil, já que é preciso levar em consideração as diferenças populacionais entre cada região.

É necessário, porém, refletir sobre a qualidade do ensino e da estrutura física oferecidos às crianças e aos adolescentes que querem conquistar seu espaço. O Correio visitou cinco escolas públicas, em várias regiões do DF, e a partir de hoje, durante cinco dias, mostrará as principais dificuldades e também os acertos do programa de inclusão.

O ingresso desses estudantes em escolas inclusivas é garantido pela Lei Federal nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Em Brasília, a inclusão ganhou reforço com a promulgação da Lei Distrital nº 3.218, de 5 de novembro de 2003. Nela, ficou estabelecido que, até 2007, todas as escolas do DF deveriam receber alunos especiais. A legislação, apesar de pouco específica, garante “atendimento adequado e respeito às diferenças dentro dos centros de ensino” (Veja O que diz a lei).

Esforço
O Ministério da Educação determina que todas as escolas inclusivas tenham monitores. Cabe a eles acompanhar as crianças em sala de aula, auxiliá-las durante o lanche, levá-las ao banheiro e até mesmo trocar fraldas dos alunos que necessitarem desse tipo de ajuda. A lei, porém, não determina o número de profissionais por aluno. Os monitores precisam ser aprovados em concurso público para a Secretaria de Educação — até 2009, eram terceirizados. Em seguida, assistem aulas em curso especial para se adequar à realidade dos alunos.
Atualmente, o quadro de funcionários da Secretaria de Educação conta com 486 profissionais para desempenhar a função. De acordo com a subsecretária de Gestão dos Profissionais da Educação, Jaqueline Domingues, a quantidade é suficiente para atender os mais de 13 mil portadores de necessidades especiais da rede pública de ensino. “Vamos contratar mais gente este ano, a depender da necessidade. Mas, atualmente, temos o suficiente. Os diretores é que querem um monitor por aluno, mas não é preciso”, explicou Jaqueline.

Quem trabalha nas escolas, porém discorda da avaliação de quem trabalha entre papéis, no setor administrativo. Professores, intérpretes, além de outros profissionais da área e das famílias dos estudantes, se esforçam para dar dignidade e conforto aos alunos quando falta pessoal.

Outra preocupação é a qualificação dos próprios professores para o ensino inclusivo. Na Universidade de Brasília (UnB), os alunos do curso de pedagogia precisam cursar duas disciplinas obrigatórias que tratam do tema. A matéria foi incluída no currículo há apenas dois anos. Antes, as cadeiras eram optativas.
Mãe monitora

No Caic Assis Chateaubriand, em Planaltina — um polo de necessidades especiais que recebe alunos da cidade e arredores — onde há mais de 90 estudantes, entre 4 e 14 anos, com alguma limitação física ou mental, problemas não faltam. Resta o esforço para fazer um bom trabalho com o que se tem. Há somente quatro monitores para cuidar, ao lado dos professores, de todos os estudantes. A situação repete-se em dezenas de outros colégios de todo o DF.

Segundo a direção do Caic, seria preciso um cuidador para cada aluno cadeirante, pelo menos. “É questão de bom senso, de possibilitar o trabalho. Mas não há monitores suficientes em toda a rede de ensino e esses profissionais dividem um determinado número de horas entre os alunos”, explicou a diretora, Odith Charmane Farago.

Na tentativa de driblar a falta de monitores, uma mãe mistura-se às crianças e acompanha a filha todos os dias, dentro da sala de aula, o tempo todo. Lídia Carvalho Neves, 36 anos, moradora da Estância, região rural em Planaltina, fica ali e não trabalha fora para cuidar da filha Raíssa, 5 anos, cadeirante. A menina teve um derrame cerebral nos primeiros dias de vida e precisa de cuidados em tempo integral.

É Lídia quem desenvolve a função que seria de um monitor, como levar a criança ao banheiro e auxiliá-la com o lanche. “A professora também ajuda, é muito boa com a Raíssa. Só que ela precisa cuidar dos outros alunos também. A gente precisava mesmo era de mais monitores. Acho que deviam mandar também mulheres para essa função e não somente homens, como é aqui no Caic. Assim, eu não confio”, explicou Lídia.

Os outros colegas de sala de Raíssa tiveram de se acostumar com a presença de uma adulta entre os amiguinhos. Durante as aulas, permanece sempre calada, para não atrapalhar. Raíssa parece esquecer que Lídia está ali. Apesar de não falar, a menina se comunica com os colegas por meio de olhares e gestos. Mas o contato permanente com a mãe pode prejudicar o desenvolvimento de Raíssa. “Os médicos do Hospital Sarah Kubitschek, onde ela faz tratamento, pediram para eu não ficar tanto dentro da sala. A Raíssa pode ficar muito dependente de mim. Mas, se eu não ficar com ela, quem vai?”, pergunta a mãe.

Lídia não é a única mãe a adotar essa conduta. A mãe de Mariana* (nome fictício, a pedido da escola), 5 anos, também fica na escola. Ela vem diariamente de Brasilinha, região do Entorno. As dificuldades começam no transporte. Os ônibus raramente são adaptados. A escola não oferece ônibus especial. No próximo ano, Raíssa, que já se acostumou ao ambiente do Caic de Planaltina, terá de mudar de colégio para estudar mais perto de casa, por conta das dificuldades de chegar à escola. Mais uma vez, é ela quem terá que se adaptar à realidade.


"Os médicos do Hospital Sarah Kubitschek, onde ela faz tratamento, pediram para eu não ficar tanto dentro da sala. A Raíssa pode ficar muito dependente de mim. Mas se eu não ficar com ela, quem vai? A gente precisava mesmo era de mais monitores. Acho que deviam mandar também mulheres para essa função e não somente homens, como é aqui no Caic. Assim, eu não confio”
Lídia Carvalho Neves, mãe de Raíssa, 5 anos, que estuda no Caic Assis Chateaubriand, em Planaltina


O que diz a lei
A Lei Distrital nº 3.218, de 5 de novembro de 2003, determinou que até 2007, quatro anos depois de sua publicação, todas as escolas do DF teriam de ser inclusivas. O objetivo era universalizar a modalidade de ensino na capital.

O Decreto Distrital nº 20.769, de 3 de novembro de 1999, estabelece critérios para garantir a acessibilidade física. A medida determina normas para obras de construção e de modificação no sistema de ensino do DF e prevê parâmetros arquitetônicos para tanto.

Há ainda uma lei federal, conhecida como Lei da Acessibilidade, que trata de todos os segmentos, não somente escolas, e determina que calçadas e prédios públicos, por exemplo, sejam adaptados para o acesso de cadeirantes e pessoas com dificuldade de mobilidade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também apresenta regras sobre o atendimento especializado em escolas. Na Lei de Diretrizes e Bases, o artigo 58, Capítulo 5, diz que: “Entende-se por educação especial, para os efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”. A lei determina que haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado na escola regular para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. O ECA garante ainda que o atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.

O artigo 59 da Lei de Diretrizes e Bases destaca como devem ser atendidos os educandos com necessidades especiais:

I – Currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;

II – Terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;

III – Professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;

IV – Educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;

V – Acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.


ARTIGO
Por uma escola mais plural
Amaralina Miranda de Souza*
O movimento pela inclusão constitui-se numa postura ativa de identificação das barreiras que alguns grupos ainda encontram no acesso à educação e também na busca por recursos necessários para ultrapassá-las, consolidando um novo paradigma educacional de uma escola aberta às diferenças. A educação inclusiva refere-se à capacidade das escolas de atender todos os alunos, independentemente das condições pessoais, sociais e culturais que possam apresentar, sem qualquer tipo de exclusão, valorizando as diferenças dos estudantes como oportunidade de desenvolvimento de alunos e de professores.

A inclusão exige também uma mudança na perspectiva educacional, já que não se limita ao apoio do processo educativo somente para os alunos que apresentam dificuldades na escola, mas pressupõe apoio aos professores, alunos e pessoal administrativo, ou seja, a todos os envolvidos no processo, para que todos os alunos obtenham sucesso na sua aprendizagem e desenvolvimento.

Segundo o Ministério da Educação, “a metáfora da inclusão sugere a imagem de uma escola em movimento, em constante transformação e construção, de enriquecimento pelas diferenças”. Naturalmente esse movimento implica em mudanças de atitudes, constantes reflexões sobre a prática pedagógica, modificação e adaptação do meio, assim como em uma nova ordem na organização da estrutura escolar, onde as diferenças individuais são cada vez mais consideradas, para que os alunos se desenvolvam, aprendam e evoluam melhor em um ambiente rico e variado.

Para a promoção da educação inclusiva, fundamentada no princípio da universalização do acesso à educação e na atenção à diversidade, é essencial o desenvolvimento de uma pedagogia centrada no aluno, ampliação da participação da família e da comunidade nos espaços educacionais, a organização das escolas para a participação e aprendizagem de todos e a formação de redes de apoio, acionadas para que lhes possam garantir a aprendizagem com sucesso e a natural convivência com os colegas.

A inclusão escolar, em última instância, deve ser tratada como uma resposta à necessidade educacional do aluno e como tal deve considerar que ela ocorra em um ambiente menos restritivo possível e que atenda às suas reais demandas. Portanto, a inclusão implica mudanças de atitudes, reflexão sobre prática pedagógica, modificação e adaptação do meio, acionamento da rede de apoio, com uma nova organização da estrutura escolar. Nesse sentido, a escola precisa estar organizada para receber todos os alunos, independentemente das suas demandas educacionais, que devem ser sempre consideradas especiais.

*Professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora da área de educação especial e inclusiva

Fonte:Correioweb.com.br

Um comentário:

  1. att.
    *Professora da Universidade de Brasília (UnB) e coordenadora da área de educação especial e inclusiva

    amiga saberia informar... sobre a quantidade de aluno em uma turma q tem aluno (PC_). Trabalho em uma que a diretora matriculou 50 alunos com um PC. Isso é correto que lei pode informar isso??

    Obrigada

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